2011/07/07

André Macedo: O pobre, os abutres e a Alemanha

Quando anda de metro, ouve os músicos que andam por lá a tocar? A resposta é não, não ouve - ou raramente ouve - e eu sei que é assim por experiência própria, mas também porque o maior diário de Washington (o Post) levou o virtuoso violinista Joshua Bell a uma das linhas de metro mais concorridas da capital americana e pediu-lhe que tocasse as peças que tocara na semana anterior no Teatro de Boston, onde cobrara cem dólares por bilhete. Como seria às 07.45 no metropolitano de Washington ?
Joshua Bell não só tocou o repertório que tanto sucesso arrebatara em Boston - o melhor Bach - como se exibiu empenhadamente durante uma hora. No entanto, nem o violino, avaliado em 3,5 milhões de dólares, nem a qualidade das notas musicais despertaram o interesse das duas mil pessoas que passaram: apenas seis pararam e só 20 depositaram uma contribuição no estojo do violino. Conclusão: o conteúdo é importante, mas o contexto é essencial.
Vem isto a propósito do pontapé que a Moody's deu à dívida soberana portuguesa: lixo com ela. Porque o fez agora que há um Governo pintado de fresco e, ainda por cima, mais focado no combate ao défice público? A pergunta faz sentido. Se o violinista (Passos Coelho) mudou e está a dar o melhor de si, embora ainda nos primeiros acordes, o que leva a crítica especializada - as agências de rating - a dar uma nota tão medíocre e radical ao País? O que mudou nas últimas semanas?
Vejamos. Politicamente estamos melhor, temos um Governo mais estável e menos exposto aos humores da oposição. Ou seja, o risco político é mais baixo e isso deveria ser levado em conta. No entanto, do ponto de vista económico, como não há milagres, as perspectivas mantêm-se naturalmente negras: o défice público continua esmagador e a trajectória da dívida soberana mantém-se lunar. Segundo o Citigroup, em 2014 atingirá os 135% do PIB. A pergunta é: conseguiremos pagar? Se lhe juntarmos o equivalente a 230% do PIB de dívida privada e o crescimento anémico da última década, a resposta é não - sozinhos não vamos lá.
Acontece que isto já se sabia. Então, o que mudou? Simples: esta semana, a Europa voltou a não ser capaz de apresentar um plano sólido para evitar a falência da Grécia - o plano que meteu na mesa foi chumbado pela S&P, outra agência de rating de garras afiadas. Ora bem, se não há plano para os gregos, não há para os portugueses; daí a reacção da Moody's. Ou seja, Portugal pode fazer o pino, apertar o garrote da despesa e subir os impostos até ao Evereste, mas sem o contexto certo - o suporte financeiro da UE para tapar o buraco a um preço razoável -, a música de Passos são notas perdidas no metro. Ninguém as ouve, e os abutres (agências de rating) levam as moedas que ainda sobram.

[André Macedo, in DN]