2012/11/18

Já não há paciência

Desde sempre foi o ódio, quase sempre e só. Não apenas pelos concorrentes diretos  - israelitas e muçulmanos - mas também por todo e qualquer "pagão". Pelo caminho, foram "as bruxas", "os comunistas", e todos os que ousaram pensar de forma diferente. Tudo em nome de um conceito vago e intangível, eminentemente belicoso. Por sua causa (ou a seu pretexto), rios de sangue se derramaram ao cabo de dois milénios. Hoje (ainda) é isto.

2012/11/17

Luis Monteiro: Aníbal, o Ínfimo

 
«Aníbal, 'o Grande', foi um comandante militar Cartaginês, considerado um dos maiores generais da antiguidade e que viveu durante um período de grande tensão no Mediterrâneo, quando o Império Romano impôs a sua supremacia.
 
Porém, nós, portugueses, não nos ficando atrás, temos também um Aníbal, Comandandate Supremo das Forças Armadas.
 
Este Aníbal, hoje maioritariamente conhecido pelos portugueses como Aníbal, 'o Ínfimo', fala sempre dele próprio na 3ª pessoa, "o Presidente da República acha", ou "o Presidente da República não se pronuncia", ou ainda "o Presidente da República não cede a pressões nem se deixa condicionar". Não o faz por presunção, arrogância ou, sequer, por parolice, fá-lo exclusivamente por excesso de modéstia, de onde, aliás, lhe advém o cognome.
 
De resto, Aníbal, 'o Ínfimo', em tudo faz juz à grandeza histórica do seu nome próprio.
 
Aníbal, 'o Grande', promoveu reformas políticas e financeiras para fazer frente às imposições de Roma e salvaguardar os interesses do seu povo.
 
Aníbal, 'o Ínfimo', promoveu enquanto primeiro-ministro e promulga enquanto Presidente da República, reformas políticas e financeiras que paulatinamente vão retalhando Portugal.
 
Aníbal, 'o Grande', fez frente às hordas que pretendiam conquistar o seu território, montado no seu elefante.
 
Aníbal, 'o Ínfimo', confraterniza com o seu congénere colombiano em dia de greve geral montado na sua poltrona presidencial, criticando o povo com asinina declaração: "Apesar da greve, não deixei de trabalhar e contribuir para que, no futuro, o crescimento do produto [presumo que se estivesse a referir ao PIB e não ao outro dos cartéis, afinal o convidado era presidente da Colômbia...] seja mais elevado (...) e que o desemprego seja menor".
 
Não há dúvida, cada povo tem mesmo o que merece.»

[Luis Monteiro in expresso]

2012/11/12

Talvez limpar as mãos à parede



[Marcelo Rebelo de Sousa & Rodrigo Moita de Deus] [economico.sapo.pt]

Porque não será com clichés, amadorismo e choraminguice pacóvia que lá vamos, mas com determinação, organização do trabalho e focalização nos objectivos.
 

2012/11/04

Um poente triste

Nunca sei como é que se pode achar um poente triste.
Só se é por um poente não ter uma madrugada.
Mas se ele é um poente, como é que ele havia de ser uma madrugada?


[Alberto Caeiro]

2012/11/03

Clara Ferreira Alves: um governo contra um povo

 

«O dinheiro, ou a marcha do dinheiro, nunca penetrou no recinto sagrado da História como um movimento revolucionário autónomo


 
Há momentos no arco de uma vida humana em que o mundo muda. O assassínio de JFK. A pegada de Neil Armstrong na poeira lunar. Maio de 68. O caso Watergate. Os tanques soviéticos em Praga. A queda do Muro de Berlim. A libertação de Nelson Mandela. A morte de Mao. A retirada de Saigão. A queda do Xá da Pérsia. A invasão do Afeganistão. As duas guerras do Golfo. O massacre de Tiananmen. O 11 de setembro. A primavera árabe. Os últimos 50 anos tiveram inesperados momentos. Nenhum teve que ver diretamente com a riqueza das nações. O dinheiro, ou a marcha do dinheiro, mesmo na fase mais materialista da civilização em que os devotos acampam para comprar o último modelo tecnológico de si mesmos (um i qualquer), nunca penetrou no recinto sagrado da História como um movimento revolucionário autónomo. O capitalismo, sendo a única carpintaria disponível depois do colapso do comunismo, tratou da vida mantendo a prosperidade ocidental e o que faz dos seus beneficiários, servidores e criminosos uns desconhecidos. A celebração religiosa dos criadores só começou com Bill Gates e Steve Jobs. Ninguém estava preparado para as sequelas do de Wall Street, da crise do e da dívida soberana. Ninguém estava preparado para ouvir a frase e considerar que estava a assistir a um desses momentos em que o mundo muda. Os bancos não são protagonistas da História. No dia 15 de setembro de 2008, o Lehman Brothers declarou a falência. Nesse dia, o Dow Jones teve uma das suas quedas mais abruptas, igual à provocada pelos ataques do 9/11. No dia 29 de setembro, quando o Congresso chumbou o resgate de Wall Street, o Dow Jones mergulhou no abismo. O sistema capitalista esboroava-se. Estava em Nova Iorque nesse dia. Olhei pela televisão o pânico na Bolsa. Fui a correr para Wall Street, assistir à História em direto. A rua era um circo de televisões e jornalistas, câmaras e holofotes, manifestações enraivecidas com cartazes que diziam Morte ao Capitalismo. Banqueiros habituados a deixarem o refúgio dos gabinetes pela porta da frente e embarcarem nas limusinas, viram-se obrigados a fugir com as pastas a tapar a cara. Os carros estavam impedidos de circular. Ver dezenas de homens poderosos, como lhes chamou o escritor Tom Wolfe, aterrorizados pela multidão, expostos à luz crua das televisões e a correr para a primeira boca do metro, é um espetáculo. É uma espécie de versão pós-moderna da tomada da Bastilha. Naquela tarde, o sistema abanou. Tal como não há almoços grátis, não há espetáculos grátis. A Europa não seria poupada à crise sistémica, e aos tremores e choques do terramoto financeiro. Não podia ser. Ao contrário de outros momentos históricos, aquele era indecifrável. A maioria das pessoas não fazia a mínima ideia do que se estava a passar. E quando foi convocada para pagar a conta do resgate da banca, pagou porque os políticos a mandaram pagar. Na Europa, durante mais uns anos, os chefes políticos julgaram-se a salvo da catástrofe, o que demonstra a cegueira e ignorância. Aquilo não era um bater de borboletas que provoca um terramoto nos antípodas. Aquilo era um terramoto que iria destruir o mundo tal qual o conhecemos. Aquilo era o anúncio do colapso dos sistemas políticos democráticos ocidentais, manifestamente incapazes de perceber e de controlar os agentes financeiros, pondo-os ao serviço das economias.

As pessoas ainda não percebem o que lhes aconteceu, mas percebem mais do que percebiam. Percebem todos os dias que a prosperidade herdada da economia expansionista do pós-guerra está a ser terminada. Percebem que uma nova forma de violência anda à solta no mundo, comandada por fantoches que lhes dizem num dia uma coisa e no outro dia outra e que todos os dias, sem descanso, os ameaçam com o despotismo de organizações sem rosto que ordenam que se faça assim mesmo quando admitem que assim não vamos lá. Percebem que estão a ser espoliados e que, no topo da pirâmide, o simbólico 1%, o sistema se reconstruiu e continuou como dantes, uma plutocracia transnacional guiada pela ganância e assente na desigualdade. Pagando aos burocratas e recrutando tecnocratas. Há quem chame a isto destruição criativa. Percebem que a violência maior é a que impõe a destruição do futuro. Os filhos estarão piores do que os pais. E o governo deixou de ser do povo, pelo povo e para o povo, como disse Lincoln, para ser um de casino. A casa ganha sempre. Este tipo de cataclismo ainda não pode ser classificado nem categorizado. É cedo demais. Como é cedo para romper o axioma do medo. Convém reler alguns autores, de Hobbes a Marx. Parafraseando Lincoln em Gettysburg, o povo não desaparecerá da terra. »

 
[Clara Ferreira Alves in Expresso, hoje]