«Não haja dúvida de que o Mundo está em mudança. E a Cimeira Ibero-Americana que ontem terminou na cidade de Assunção, no Paraguai, é exemplo disso mesmo.
Atente-se neste facto, no mínimo, curioso. Pela primeira vez na história deste conclave que reúne todos os anos chefes do Estado e de governo das América Latina e de Portugal e de Espanha – o chamado espaço ibero-americano – os dirigentes políticos dos dois países europeus apresentaram-se na condição de solicitadores e não de doadores.
«Quem diria há dez anos que a Europa poderia vir a solicitar a um país da América Latina – um país muito especial, irmão de Portugal, o Brasil – apoio para ultrapassar as actuais dificuldades?», disse à SIC o Presidente português já no Paraguai. Portugal e Espanha a pedir ajuda às antigas colónias para combaterem a situação de crise em que vivem os seus povos. Quem diria?
O secretário-geral da Cimeira, o economista uruguaio Enrique Iglésias, disse com toda a pertinência que, «pela primeira vez, a América Latina não é parte do problema, mas sim da solução», mas a esperança que esta frase suscitou certamente nos ouvidos dos representantes de Portugal e de Espanha pode acabar por não ter expressão prática, pelo menos na forma e no montante desejados.
Como dizia ontem o El País, «os olhos da maioria dos países da América Latina, talvez com a excepção do México, estão postos na Ásia, especialmente na China e na Índia», até porque do que a região precisa nos próximos anos é de «não se afundar no consumo, para poder continuar a exportar a bons preços energia, alimentos e matérias-primas» e, salienta o diário madrileno, «são os mercados que parecem impulsionar fortemente o crescimento de uma classe média ansiosa de possuir tudo».
Mas considerando o número de Estados representados, dir-se-ia estamos, afinal, perante meia cimeira. Faltaram à chamada, desta vez, os representantes de onze dos 22 Estados que a integram. O Brasil foi um deles. Mas o primeiro-ministro português fez um desvio e, na sexta-feira, encontrou a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, a quem foi anunciar que Portugal vê com «bons olhos» as propostas das empresas brasileiras para o plano que privatizações que tem em mente.
Tudo isto numa altura em que a Europa abre as portas às economias emergentes para compra de dívida soberana, mas Passo Coelho fez questão de esclarecer que o assunto não esteve na agenda do encontro com Dilma Rousseff. «Não falámos sobre títulos da dívida portuguesa. O Brasil é uma economia bastante forte, mas tem regras muito específicas (...) no que toca à compra de dívida de outros países. É, portanto, uma matéria que não está na nossa agenda», disse.
Seja como for, já lá vai o tempo em que os Estados latino-americanos eram vistos como fracos e carenciados de ajuda da Europa. Hoje, são Portugal e a Espanha que se debatem com défices assustadores, enquanto os parceiros latino-americanos registam crescimento assinalável, alguns deles na ordem dos seis por cento.
O rei de Espanha tomou a iniciativa de contactar alguns dos ausentes, mas, pelos vistos, sem êxito. E o que começou no México, em 1991, para reforçar os laços entre antigos poderes coloniais e antigas colónias pode agora estar ferida de morte, até porque, segundo este diário espanhol, 60 por cento do orçamento das cimeiras – cerca de sete milhões de euros – são suportados por Espanha. Mesmo, assim, a próxima cimeira, em 2012, já tem local escolhido: a cidade de Cádis. Mas,como alguns reclamam, até que elas passem de anuais a bianuais, haverá que esperar pela decisão, que só será tomada em 2013, no Panamá.»
[A Bola]