2010/05/19

Parabéns às noivas e aos noivos #2

A pedido de várias famílias, de modelo clássico e do recentemente tornado plausível, acrescento ao primeiro post uma exposição de motivos.

Da religião

Por primário que possa parecer, revela-se pertinente destrinçar o casamento enquanto direito civil do seu homónimo religioso. Assim, quando uma qualquer das partes pretender evocar o conceito por si enunciado, reportar-se-á à sua própria criação e apenas àquela, excepto se feita a imprescindível ressalva. Separadas estas águas, cai por terra boa parte da questão, considerando que em causa está o casamento enquanto direito civil, que num país laico em nada depende das posições religiosas. Como alguém dizia com humor uma coisa é uma coisa e outra coisa é uma outra coisa. Não me consta que os estados democráticos interfiram nos concílios, pelo que tenho dificuldade em perceber a legitimidade dos líderes religiosos em se intrometer nas questões políticas. Partilhamos uma sociedade secularizada, em que a religiosidade ou ausência dela não constitui obrigação, mas um reconhecido direito – tal como quando democraticamente se passa a permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Do direito

Tirei o pó a um livro, curioso de ler as normas da discórdia. Sem surpresa, não encontrei na lei fundamental de 1976 nada contrário à modalidade de casamento agora aprovada. De resto, parece-me mais inconstitucional que o casamento se reserve em exclusivo a pessoas de sexo diferente que o seu contrário. Também a solução que alternativamente se propôs, de implementação do mesmo pacote de direitos e obrigações, mas uma designação diferente, parece frágil à luz do basilar princípio constitucional da não discriminação. Por hora, o legislado não fez mais do que suprir a insuficiencia da lei, cristazilando o costume já existente.
Da moral

Não obstante ter crescido no seio de uma família tradicional, de progenitores amadurecidos nos anos do estado novo, ao fazer um exercício de memória, não recordo exemplos ou ensinamentos que possam consubstanciar sexismo, racismo, homofobia. Tão pouco a sugestão ou repulsa por qualquer ideal político nem pelos seus traços distintivos. Acredito que tive sorte no que a isto concerne e estou em crer que, em boa parte, se deve a essa moldagem inócua o facto das questões do social a que se tem chamado fracturantes, me causarem hoje tão pouco embaraço. Com a nova lei, anuncia-se o fim dos casamentos de fachada, de conjugalidade frustrada e infeliz, condição potencialmente redundante em disfuncionalidade familiar, ou daqueles tios e tias muito reservados que passam muitos fins de semana fora.

Da ciência

Diz-se que a homossexualidade não é natural e que por isso não deve ser amplificada por via da dignificação social. Se o que conta são exemplos no reino animal, qualquer motor de busca é pródigo e esclarecedor. Se vamos avaliar o grau de natureza em que vive aquilo a que chamamos humanidade… penso que se dispensa concretizar a ideia. Que a orientação sexual possa transitar de homo para hetero à razão do aumento do grau de aceitação social? Os estudos que tenho visto dizem que não. Que esta legislação será um passo no sentido da normalização social dos diversos padrões sexuais e afectivos, que a prazo conduzirá a que os 10% de homens e mulheres que a ciência calcula existirem nestas condições em cada momento saiam do armário, já me parece bastante plausível. É obvio que duas pessoas do mesmo sexo não se reproduzem de forma tradicional, mas tal como os heterossexuais, podem adoptar, acolher ou recorrer às técnicas que a medicina já disponibiliza. Onde estas familias já são triviais, não se observa que fiquem em nada aquém do modelo do presépio, excluindo a vaca e o burro. Também se discute se o que se chama orientação sexual depende de condição determinada por factores genéticos ou culturais, ou se a mesma é passivel de opção pessoal. Tanto quanto sei, as opiniões cientificas dividem-se. No entanto, quando se perguntou aos próprios, é quase unânime a resposta de que não houve qualquer tipo de escolha consciente, pelo que o sentido da atracção sexual constituirá parte da natureza pessoal de cada um - tão simples e banal como a atracção pelo sexo oposto por parte do heterosexual.
Da economia

Também se diz que os homosexuais não produzem descendência, pelo que as medidas que possam promover determinado estilo de vida colocam em risco a renovação das gerações, a sustentabilidade dos sistemas de segurança social, e que daqui até ao apocalipse em versão parada do orgulho gay com música electrónica e bandeiras arco-íris é um passo. Nas zonas do globo mais vançadas (e tolerantes) que nós, verifica-se que a normalização das diferentes variantes sexuais operada nas ultimas décadas não aumentou de forma sensível a tal percentagem média de gays, pelo que estes são e continuarão a ser uma minoria. Além disso, qual pescadinha de rabo na boca - salvo seja - tudo indica que só não haverá gays a desempenhar cabalmente o papel de progenitores se tal não lhes for permitido. Tranquilizem-se os fundamentalistas do capitalismo mais apurado, que não será com esta que se extingue o proletário.

Nélos e Idalias têm graça na TV, mas ao vivo são flagrantemente tristes. É quanto me parece, com perdão dos macho-ménes de manga cava que param pelos WC de estação de serviço e dos e das botas-de-elástico em geral.

Sem comentários: