2011/10/29

Sinais dos tempos

«Não haja dúvida de que o Mundo está em mudança. E a Cimeira Ibero-Americana que ontem terminou na cidade de Assunção, no Paraguai, é exemplo disso mesmo.

Atente-se neste facto, no mínimo, curioso. Pela primeira vez na história deste conclave que reúne todos os anos chefes do Estado e de governo das América Latina e de Portugal e de Espanha – o chamado espaço ibero-americano – os dirigentes políticos dos dois países europeus apresentaram-se na condição de solicitadores e não de doadores.

«Quem diria há dez anos que a Europa poderia vir a solicitar a um país da América Latina – um país muito especial, irmão de Portugal, o Brasil – apoio para ultrapassar as actuais dificuldades?», disse à SIC o Presidente português já no Paraguai. Portugal e Espanha a pedir ajuda às antigas colónias para combaterem a situação de crise em que vivem os seus povos. Quem diria?

O secretário-geral da Cimeira, o economista uruguaio Enrique Iglésias, disse com toda a pertinência que, «pela primeira vez, a América Latina não é parte do problema, mas sim da solução», mas a esperança que esta frase suscitou certamente nos ouvidos dos representantes de Portugal e de Espanha pode acabar por não ter expressão prática, pelo menos na forma e no montante desejados.

Como dizia ontem o El País, «os olhos da maioria dos países da América Latina, talvez com a excepção do México, estão postos na Ásia, especialmente na China e na Índia», até porque do que a região precisa nos próximos anos é de «não se afundar no consumo, para poder continuar a exportar a bons preços energia, alimentos e matérias-primas» e, salienta o diário madrileno, «são os mercados que parecem impulsionar fortemente o crescimento de uma classe média ansiosa de possuir tudo».

Mas considerando o número de Estados representados, dir-se-ia estamos, afinal, perante meia cimeira. Faltaram à chamada, desta vez, os representantes de onze dos 22 Estados que a integram. O Brasil foi um deles. Mas o primeiro-ministro português fez um desvio e, na sexta-feira, encontrou a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, a quem foi anunciar que Portugal vê com «bons olhos» as propostas das empresas brasileiras para o plano que privatizações que tem em mente.

Tudo isto numa altura em que a Europa abre as portas às economias emergentes para compra de dívida soberana, mas Passo Coelho fez questão de esclarecer que o assunto não esteve na agenda do encontro com Dilma Rousseff. «Não falámos sobre títulos da dívida portuguesa. O Brasil é uma economia bastante forte, mas tem regras muito específicas (...) no que toca à compra de dívida de outros países. É, portanto, uma matéria que não está na nossa agenda», disse.

Seja como for, já lá vai o tempo em que os Estados latino-americanos eram vistos como fracos e carenciados de ajuda da Europa. Hoje, são Portugal e a Espanha que se debatem com défices assustadores, enquanto os parceiros latino-americanos registam crescimento assinalável, alguns deles na ordem dos seis por cento.

O rei de Espanha tomou a iniciativa de contactar alguns dos ausentes, mas, pelos vistos, sem êxito. E o que começou no México, em 1991, para reforçar os laços entre antigos poderes coloniais e antigas colónias pode agora estar ferida de morte, até porque, segundo este diário espanhol, 60 por cento do orçamento das cimeiras – cerca de sete milhões de euros – são suportados por Espanha. Mesmo, assim, a próxima cimeira, em 2012, já tem local escolhido: a cidade de Cádis. Mas,como alguns reclamam, até que elas passem de anuais a bianuais, haverá que esperar pela decisão, que só será tomada em 2013, no Panamá.»
 

2011/10/14

Balança comercial em superavit

«Em Agosto de 2011, as exportações e as importações de bens e serviços registaram variações homólogas de 14,4% e 0,0%, respectivamente, valores que comparam com variações homólogas no mês anterior de 7,9% para as exportações e de 5,3% para as importações. No mês em análise, a taxa de cobertura das importações pelas exportações de bens e serviços situou-se em 102,1%. Trata-se da mais alta taxa de cobertura desde o início da série histórica (Janeiro de 1996), registando-se pela primeira vez um excedente comercial.»



2011/10/13

Diz que é terapêutico, mas soa a paliativo

«O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, anunciou hoje que o Orçamento do Estado para 2012 "prevê a eliminação dos subsídios de férias e de Natal para todos os vencimentos dos funcionários da Administração Pública e das empresas públicas acima de mil euros por mês".

Numa declaração ao país sobre o Orçamento do Estado para 2012, na residência oficial de São Bento, em Lisboa, Pedro Passos Coelho anunciou que também serão eliminados os subsídios de férias e de Natal "para quem tem pensões superiores a mil euros por mês".

"Os vencimentos situados entre o salário mínimo e os mil euros serão sujeitos a uma taxa de redução progressiva, que corresponderá em média a um só destes subsídios. Como explicaremos em breve aos partidos políticos, aos sindicatos e aos parceiros sociais, esta medida é temporária e vigorará apenas durante a vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira", acrescentou.

Passos Coelho referiu que a redução das pensões por via da eliminação dos subsídios de férias e de Natal é igualmente "evidentemente temporária e vigorará durante a vigência do Programa de Assistência" e salientou que o Governo cumprirá o "compromissos de descongelar as pensões mínimas e atualizá-las".

Além disso os trabalhadores serão obrigados a mais meia hora por dia de trabalho e terão menos férias.»



[expresso.pt]

2011/10/11

Luís Manuel Cunha: O Silva das vacas


Algumas das reminiscências da minha escola primária têm a ver com vacas. Porque a D.ª Albertina, a professora, uma mulher escalavrada e seca, mais mirrada que uva-passa, tinha um inexplicável fascínio por vacas. Primavera e vacas. De forma que, oramandava fazer redacções sobre a primavera, ora se fixava na temática da vaca. A vaca era, assim, um assunto predilecto e de desenvolvimento obrigatório, o que, pela sua recorrência, se tornava insuportavelmente repetitivo. Um dia, o Zecada Maria "gorda", farto de escrever que a vaca era um mamífero vertebrado, quadrúpede ruminante e muito amigo do homem a quem ajudava notrabalho e a quem fornecia leite e carne, blá, blá, blá, decidiu, num verdadeiro impulso de rebelião criativa, explicar a coisa de outra forma. E, se bem me lembro ainda, escreveu mais ou menos isto:
 
"A vaca, tal como alguns homens, tem quatro patas, duas à frente, duas atrás, duas à direita e duas à esquerda. A vaca é um animal cercado de pêlos por todos os lados, ao contrárioda península que só não é cercada por um. O rabo da vaca não lhe serve para extrair o leite, mas para enxotar as moscas e espalhar a bosta. Na cabeça, avaca tem dois cornos pequenos e lá dentro tem mioleira, que o meu pai diz que faz muito bem à inteligência e, por não comer mioleira, é que o padre é burro como um tamanco. Diz o meu pai e eu concordo, porque, na doutrina, me obriga a saber umas merdas de que não percebo nada como as bem-aventuranças. A vaca dá leite por fora e carne por dentro, embora agora as vacas já não façam tanta falta, porque foi descoberto o leite em pó. A vaca é um animal triste todo o ano, excepto no dia em que vai ao boi, disse-me o pai do Valdemar "pauzinho", que é dono do boi onde vão todas as vacas da freguesia. Um dia perguntei ao meu pai o que era isso da vaca ir ao boi e levei logo um estalo no focinho. O meu pai também diz que a mulher do regedor é uma vaca e eu também não entendi. Mas, escarmentado, já nem lhe perguntei se ela também ia ao boi."
 
Foi assim. Escusado será dizer que a D.ª Albertina, pouco dada a brincadeiras criativas, afinfou no pobre do Zeca um enxerto de porrada a sério. Mas acabou definitivamente com a vaca como tema de redacção. Recordei-me desta história da D.ª Albertina e da vaca do Zeca da Maria "gorda", ao ler que Cavaco Silva, presidente da República desta vacaria indígena, em visita oficial ao Açores, saiu-se a certa altura com esta pérola vacum: "Ontem eu reparava no sorriso das vacas,estavam satisfeitíssimas olhando o pasto que começava a ficar verdejante"! Este homem, que se deixou rodear, no governo, pelo que viria a ser a maior corja de gatunos que Portugal politicamente produziu; este homem, inculto e ignorante, cuja cabeça é comparada metaforicamente ao sexo dos anjos; este político manhoso que sentiu necessidade de afirmar publicamente que tem de nascer duas vezes quem seja mais honesto que ele; este "cagarola" que foi humilhado por João Jardim e ficou calado; este homem que, desgraçadamente, foi eleito presidente da República de Portugal, no momento em que a miséria e a fome grassam pelo país, em que o desemprego se torna incontrolável, em que ospobres são miseravelmente espoliados a cada dia que passa, este homem, dizia, não tem mais nada para nos mostrar senão o fascínio pelo "sorriso das vacas", satisfeitíssimas olhando o pasto que começava aficar verdejante"! Satisfeitíssimas, as vacas?! Logo agora, em tempos de inseminação artificial, em que as desgraçadas já nem sequer dispõem dafelicidade de "ir ao boi", ao menos uma vez cada ano!
    
Noticiava há dias o Expresso que, há mais ou menos um ano e aquando de uma visita a uma exploração agrícola no âmbito do Roteiro da Juventude, Cavaco se confessou "surpreendidíssimo por ver que as vacas,umas atrás das outras, se encostavam ao robô e se sentiam deliciadas enquanto ele, durante seis ou sete minutos, realizava a ordenha"! Como se fosse possível alguma vaca poder sentir-se deliciada ao passar seis ou sete minutos com um robô a espremer-lhe as tetas!! Não sei se o fascínio de Cavaco por vacas terá ou não uma explicação freudiana. É possível. Porque este homem deve julgar-se o capataz de uma imensa vacaria, metáfora de um país chamado Portugal, onde há meia-dúzia de "vacas sagradas", essas sim com direito a atendimento personalizado pelo "boi", enquanto as outras são inexoravelmente "ordenhadas"! Sugadas sem piedade, até que das tetas não escorra mais nada e delas não reste senão peles penduradas, mirradas e sem proveito.

A este "Américo Tomás do século XXI" chamou um dia João Jardim, o "sr. Silva". Depreciativamente, conforme entendimento generalizado. Creio que não. Porque este homem deveria sersimplesmente "o Silva". O Silva das vacas. Presidente da República de Portugal. Desgraçadamente.
 
Luís Manuel Cunha in Jornal de Barcelos